Religião

Morte de Bento XVI marca nova etapa no pontificado de Francisco

Morte de Bento XVI marca nova etapa no pontificado de Francisco

Falecimento de papa emérito não põe fim às críticas internas a Francisco

O pontificado de Francisco entra em uma nova etapa sem a sombra de seu antecessor Bento XVI, que faleceu no sábado (31) aos 95 anos, com especulações sobre sua eventual renúncia e críticas a reformas.

Pela primeira vez desde sua eleição ao trono de Pedro em 2013, o argentino Jorge Mario Bergoglio lidera a Igreja Católica e seus 1,3 bilhão de fiéis sem o peso de outro pontífice vivo.

Até agora, a presença do teólogo conservador alemão no Vaticano havia desencadeado questionamentos e alimentado a saga dos “dois papas”.

“É o fim de um mal-entendido, de uma época em que Bento XVI poderia ser explorado pelos inimigos de Francisco”, comentou à AFP o vaticanista Marco Politi, autor de uma biografia sobre o papa latino-americano.

Apesar da excelente relação pessoal entre os dois homens, “a presença do alemão Joseph Ratzinger, com sua visão doutrinária conservadora e gabarito intelectual, tornou-se uma fonte de tensão para o pontificado de Francisco, que, ao contrário, tem uma visão mais ampla”, aponta.

Tratou-se de uma situação inédita na história, mas não impediu o jesuíta argentino de realizar reformas importantes, incluindo a reorganização da Cúria Romana, o poderoso governo da Santa Sé.

Ele também recuperou o controle de várias organizações católicas, incluindo a influente Opus Dei e a aristocrática Ordem de Malta.

Dotado de uma linguagem direta e incisiva, Francisco, que controla com mão firme o leme da Igreja, poderia decidir outras medidas que desagradem conservadores e tradicionalistas, como aconteceu com a proibição da missa em latim, autorizada justamente por seu antecessor.

“Guerra civil”

Além disso, a morte de Bento XVI não põe fim às críticas internas a Francisco.

“A guerra civil dentro da Igreja Católica vai continuar. Há forças que querem que Francisco abdique e que não deixe sua marca no próximo conclave”, explica Politi.

Estas críticas manifestam-se “em petições públicas ou na internet”, sublinha.

“O manifesto sobre a covid, que afirmava que a liberdade da Igreja estava sob ameaça pelas medidas sanitárias, é um exemplo perfeito de como operam as forças conservadoras”, diz Politi.

O atual sínodo mundial, uma vasta consulta sobre o governo da Igreja, cuja primeira fase terminará com uma assembleia geral em outubro, permitirá medir as relações internas de poder sobre grandes questões e debates, como o lugar da mulher na Igreja, a gestão da pedofilia e a situação dos divorciados que voltam a casar.

Questões que obrigam Francisco a permanecer no trono de Pedro até pelo menos 2024, ano em que encerrará a consulta.

Apesar desse compromisso, as especulações sobre sua renúncia dispararam, principalmente por conta de seus problemas de saúde, já que tem se locomovido em cadeira de rodas e sofre de problemas no joelho.

Renunciar?

“Enquanto Bento XVI estava vivo, era impensável imaginar a existência de três papas. Hoje a possibilidade de sua renúncia é concreta”, embora “sua saúde não o tenha impedido de cumprir sua missão até o momento”, reconhece Politi.

Aos 86 anos, o papa argentino não reduziu tanto seus compromissos e confirmou uma viagem à África no final de janeiro e início de fevereiro e outra a Portugal em agosto.

Embora tenha dito em várias ocasiões que não descarta renunciar caso sua saúde não o permita governar a Igreja, não parece contemplar essa opção, também para evitar a renúncia de dois papas seguidos.

Mas se as circunstâncias o forçarem a abdicar, “evitará repetir o padrão de dois papas residentes no Vaticano, vestidos de branco e com o mesmo título”, diz Bernard Lecomte, autor do livro “Les secrets du Vatican” (“Os Segredos do Vaticano”, em tradução livre).

“Há um vácuo legal no direito canônico sobre isso. Chegou a hora de escrever uma norma”, acredita o bispo Patrick Valdrini, professor emérito da Pontifícia Universidade Lateranense de Roma.

“Francisco precisa querer”, admitiu, depois de sugerir que adotasse o título de “bispo emérito de Roma” e não papa emérito, como optou Bento XVI.

AFP