Religião

Libertar a política da religião: a responsabilidade das pessoas religiosas

Libertar a política da religião: a responsabilidade das pessoas religiosas

Foi com o surgimento das sociedades modernas que a separação entre as duas esferas passou a se dar como um valor

 A Religião e a Política têm uma longa história de implicações. Se não fosse, por exemplo, por meio da abrangência do Império Romano, o cristianismo não teria se tornado, por tantos séculos, hegemônico em todo o Ocidente. Foi com o surgimento das sociedades modernas que a separação entre as duas esferas passou a se dar como um valor. Não significa, no entanto, que tenhamos conseguido fazer valer o princípio da separação entre o Estado e o religioso, como preveem as democracias modernas. Em 2018, mesmo, venceu as eleições em nosso país a coligação que tinha por lema um versículo bíblico – o que, aliás, podemos considerar como duplo estelionato: eleitoral e teológico.

Já há alguns anos, o movimento evangélico brasileiro tem se organizado para ocupar, cada vez mais, espaços de poder. Com o catolicismo carismático não tem sido diferente. Assustadoramente, temos uma bancada legislativa, denominada da “Bíblia”, ligada ao que há de pior nos retrocessos sociais vividos nos últimos anos. Entre outras coisas – sejam elas republicanas ou não – há uma visão religiosa que ampara esse empreendimento: descobriram que, tanto sua perspectiva proselitista quanto de imposição religiosa-cultural, têm mais chances de encontrarem sucesso quando lideranças religiosas se tornarem, também, lideranças políticas. É ocupando esses espaços que esta nação se tornará feliz, uma vez que estará consagrada ao Senhor (numa leitura fundamentalista e pinçada do texto bíblico). Além, é claro, da garantia de um espaço na mesa do poder, para garantir vantagens para as igrejas.

Em 2022, púlpitos eclesiásticos se tornaram lugares de cometimento de crimes, uma vez que pastores e padres assumiram papéis de cabos eleitorais, deliberadamente pedindo votos e pressionando seus fiéis, até mesmo sob ameaça, para que escolhessem como candidato único possível, o da situação. Fiés foram expulsos das congregações. A disputa política foi alçada a uma disputa dita “espiritual”. A pauta de costumes tentou ser imposta, num contexto social em que 33 milhões de pessoas não tinham o que comer. O pleito foi definido, apesar de toda essa movimentação religiosa perversa. Agora, pois, temos que dar novo significado ao papel de pessoas religiosas no seu envolvimento político: o que é desejável e importante, quando inspiradas pelo espírito democrático e de respeito à coisa pública.

No Dom Especial da semana, dedicamo-nos a refletir sobre essas questões, chamando à reflexão a importância de novos caminhos para o futuro, no qual a cidadania seja exercida, também por pessoas religiosas, de modo a construir o bem pelo país e a promoção da justiça social para todos os brasileiros e brasileiras. Este é um começo de conversa, ao qual não podemos nos furtar. No primeiro artigo, Teocracia de cristianismo, César Thiago do Carmo Alves traça uma leitura, em perspectiva histórica, das relações entre religião e política, quando tendências teocráticas buscavam se tornar efetivas. Reuberson Ferreira, no artigo Deus e a Religião após as eleições: mea culpa!, reflete sobre o cenário político atual, chamando à conversa a importância de a religião buscar ocupar o lugar que a compete, republicanamente, no debate público. Por fim, no artigo A política nossa de cada dia, Daniel Couto reflete sobre a importância da ressignificação do ser político, para além da participação institucional, mas como condição humana para o bem-viver, ao qual as pessoas religiosas devem assumir com responsabilidade.

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