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Em Cristo, todos somos iguais

Em Cristo, todos somos iguais

Reflexão sobre o 12º domingo do tempo comum

Johan Konings*

1ª leitura: (Zc 12,10-11) “Choraram aquele que traspassaram” –  Não se sabe quem foi, historicamente, o “traspassado” de Zc 12. Foi um  profeta, um “pastor” (cf. Zc 11). Foi um mártir: sua morte significou  uma catástrofe para o povo, mas também um novo início, conversão e volta  a Deus (cf. o Servo de Javé, Is 53). Jo 19,37 identifica Jesus com este  “traspassado” (cf. Ap 1,7). A liturgia de hoje relaciona este texto com  a predição da Paixão de Jesus. * Cf. Nm 21,8; Jo 3,14.18; Ez 34,23-24;  36,25-27.

2ª leitura: (Gl 3,26-29) Superação de todas as discriminações em Cristo –  Jesus é o fim da Lei. Nele se cumpre a promessa feita a Abraão. Nele  são benditos todos os povos da terra, judeus e gentios: “todos” (3,26),  pela fé e o batismo, tornam-se semelhantes ao Filho, sendo eles mesmos  filhos e co-herdeiros. Todas as diferenças tornam-se irrelevantes. Só o  Cristo importa. Na comunhão em Cristo, já começam a desfazer-se as  diferenças que dividem os homens. * Cf. Jo 1,12; Rm 6,3-4; 8,14-17;  13,14; 10,12; Cl 3,11-12.

Evangelho: (Lc 9,18-24) Profissão de fé de Pedro e anúncio da Paixão –  Texto composto de 1º) um diálogo sobre o messianismo de Jesus  (profissão de fé de Pedro: 9,18-21); 2º) a predição da Paixão do Filho  do Homem (9,22); 3º) um apelo ao seguimento da Cruz (9,23-27). Estes  três temas formam uma unidade: Jesus é o Messias, que segue seu caminho  não no sentido que presumem os homens, mas como Deus o define. O anúncio  da Paixão vem corrigir a própria confissão de fé messiânica de Pedro.  Jesus toma o caminho da libertação pela doação até o fim, e quem quiser  ser seu discípulo deve seguir este mesmo caminho, talvez não  imediatamente no martírio (isso também, conforme ocaso), mas “cada dia” –  e é a todos que isso é dito (9,23). * 9,18-21 cf. Mt 16,13-20; Mc  8,27-30; Lc 9,7-8 * 9,22 cf. Mt 16,21; Mc 8,31; Lc 24,25-26 * 9,23-24  cf. Mt 16,24-25; Mc 8,34-35.

Já  no ano B, a liturgia insistiu muito nas predições da Paixão de Jesus,  que, em Mc, formam a espinha dorsal da secção mais significativa do  evangelho de Lucas introduz no meio das três predições a “grande viagem”  de Jesus (Lc 9,51–18,14). Assim o tema da predição da paixão aparece só  uma vez na liturgia do Ano C: uma razão a mais para lhe dedicar toda a  atenção (evangelho).

A situação é a seguinte:  Jesus vive um dos seus momentos de intimidade com Deus (Lc 9,18), talvez  refletindo sobre o sentido dos sinais messiânicos que lhe é dado fazer  (precede imediatamente, em Lc 9,10-17, a multiplicação dos pães). Quer  conscientizar seus discípulos daquilo que o Pai lhe faz ver. Pergunta  quem, na opinião dos homens, ele é; e, depois de respostas  “aproximativas” (João Batista, Elias), pergunta também por quem os  discípulos o têm. Pedro se torna porta-voz dos seus companheiros e diz:  “Tu és o messias de Deus”. Jesus lhes manda guardar esta intuição para  si e explica por quê: porque o Filho do Homem deve sofrer e morrer, mas  também ser ressuscitado. O povo ainda não entenderia isso. Só o  entenderão depois de tê-lo traspassado, o que não deixa de ser mais um  “cumprimento” das Escrituras, ou seja, da estranha lógica de Deus (cf.  Zc 12,10-11, 1ª leitura; Is 53, etc.). Pois Jesus é o  ponto final e a plenitude de toda uma linhagem de profetas rejeitados,  messias assassinados, e de todos os “servos” e “pobres de Deus”. A  pedagogia de Deus, que consiste em converter o homem não pela força, mas  pelo exemplo do amor até o fim, atinge a plenitude em Jesus de Nazaré.

O  que Jesus diz “a todos” (Lc 9,23, expressamente) é que eles devem  segui-lo, assumindo sua cruz. A melhor maneira para entender Jesus é  fazer a mesma coisa que ele. Não são as teorias cristológicas que nos  ajudam a conhecer e entender Jesus, mas o viver como ele viveu, morrer  como ele morreu. Fazer a experiência do mundo e de Deus que ele fez,  isso é que nos torna seus discípulos, dignos do nome de “cristãos”.  Quando a gente compara a palavra do seguimento em Lc 9,23 com Mc 8,34,  que lhe serviu de modelo, a gente descobre que Lc acrescentou algo:  “cada dia”. Tomar sua cruz não acontece apenas no caminho de Gólgota,  mas na vida de cada dia (Lc é o evangelista que mais pensa na situação  do cristão comum). Quem não sabe assumir as pequenas cruzes de cada dia,  nunca será um mártir do amor até o fim.

Lc escreve isso com uma  finalidade pedagógica, de acordo com seu espírito helenístico, que dava  muita importância à “ascese”, o “exercício” (foram os gregos que  inventaram o treinamento esportivo). Porém, os pequenos sacrifícios do  dia-a-dia não são apenas exercícios esportivos. Eles são exercícios do  amor de Cristo. São a manifestação, até nos mínimos detalhes de nossa  vida, de quanto temos constantemente diante dos olhos seu amor por nós,  manifestado na cruz. A cruz do dia-a-dia é nossa participação da Cruz do  Calvário, da qual recebe todo o seu valor.

Temos agora também  critérios para distinguir entre o verdadeiro seguimento de Jesus no  caminho da Cruz e o superficial entusiasmo que, como um parasita, tira a  força e sufoca o verdadeiro amor a Cristo. Muitos que andam com  ostentativo crucifixo no peito não têm a mínima intenção séria de viver o  que a cruz significa. Consideram Jesus talvez como um João Batista ou  Elias redivivo, ou seja, um cara sensacional, mas não estão dispostos a  viver no dia-a-dia o que ele viveu. Fazem de Jesus um subterfúgio, uma  escusa, uma fachada que os dispensa de qualquer chamado à conversão:  “Sou homem de igreja, ninguém me precisa dizer o que devo fazer!”  Sobretudo, quando cheiram no ar algo que possa mexer com sua posição  social, algo como a opção pelos pobres… Devem aprender a assumir sua  cruz, no dia-a-dia, não com espírito revoltado (“Que é que fiz para  merecer isso e aquilo, eu que rezo tanto?”), mas com o amor do Cristo,  que tem compaixão dos mais sofridos. Então, reconhecerão que sua cruz  não é a enxaqueca do dia depois da festa de aniversário, mas a  incapacidade de criar uma sociedade justa, em que todos tenham vez.

Entre  cristãos, é impossível perpetuar e aprofundar sempre mais o abismo que  divide as pessoas social e culturalmente. Pelo batismo, mudamos de  personalidade: somos todos “Cristo”, todos iguais aos olhos de Deus,  todos seu filho querido: não há mais homem e mulher, judeu e grego,  senhor e escravo (2ª leitura). Não deverá esta igualdade escatológica manifestar-se também no dia-a-dia de uma sociedade que se chama cristã?

Em Cristo, todos somos iguais

Todo  mundo sabe que existem distinções e, muitas vezes, discriminações no  tratamento social. O que fazemos com isso na Igreja, na comunidade de  Cristo? Paulo, na 2ª leitura, anuncia a igualdade de  todos no sistema do “Senhor Jesus”. Acabou o regime da lei judaica, que  considerava o ser judeu um privilégio, por causa da antiga Aliança com  Abraão e Moisés. A crucificação de Jesus, em nome desse regime antigo  (cf. evangelho), marcou a chegada de um regime novo.  Simplesmente observar a lei de Moisés já não é salvação para quem  conhece Jesus, para quem sabe o que ele pregou e como ele deu sua vida  por sua nova mensagem e por aqueles que nela acreditassem. Estes  constituem o povo da Nova Aliança. São todos iguais para Deus, como  filhos queridos e irmãos de Jesus – filhos com o Filho e co-herdeiros de  seu Reino, continuadores do projeto que ele iniciou.

Neste novo  sistema não importa ser judeu ou não-judeu, escravo ou livre, homem ou  mulher (branco ou negro, patrão ou operário, rico ou pobre). Mesmo não  tendo chances iguais em termos de competição econômica e ascensão  social, todos têm chances iguais no amor de Deus. Ora, este amor deve  encarnar-se na comunidade inspirada pelo evangelho de Jesus, eliminando  desigualdade e discriminação. Provocada pelas diferenças econômicas,  sociais, culturais etc., a comunidade que está “em Cristo” testemunhará  igual e indiscriminado carinho e fraternidade a todos, antecipando a  plenitude da “paz” celeste para todos os destinatários do amor do Pai.  Programa impossível, utopia? Talvez seja. Mas nem por isso podemos  desistir dele, pois é a certeza que nos conduz! Na “caridade em Cristo”,  o capital já não servirá para uma classe dominar a outra, mas para  estar à disposição de todos que trabalham e produzem. A influência e o  saber estarão a serviço do povo. O marido não terá mais “liberdades” que  a mulher, mas competirá com ela no carinho e dedicação.

É preciso perder sua vida para encontrá-la (evangelho).  Quem se apega aos seus privilégios não vai encontrar a vida em Cristo.  Só quem coloca suas vantagens a serviço poderá participar da vida igual à  de Cristo, na comunidade dos irmãos.

Dom Total