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A vida do Bom Pastor

A vida do Bom Pastor

Reflexão sobre a Liturgia do IV Domingo da Páscoa

1ª leitura: (At 13,14.43-52) Pregação de Paulo em Antioquia da Pisídia; orientação para o mundo pagão –  A partir de Pentecostes, o Evangelho inicia seu caminho “até os confins  da terra” (At 1,8). Paulo se dirige aos judeus na diáspora, mas, diante  da rejeição destes, anuncia o Evangelho aos pagãos, o que os judeus  consideram como uma traição. Mistério da vocação de Paulo, o fariseu  chamado para levar o Evangelho aos pagãos! * 13,14 cf. At 13,4-5 * 13,47  cf. Is 49,6; Jo 8,12; At 1,8 * 13,50-52 cf. Lc 9,5; 18,6 At 28,25-28.

2ª leitura: (Ap 7,9.14b-17) O Cordeiro apascenta as ovelhas –  No meio de uma série de catástrofes, o visionário do Ap situa uma visão  da assembleia celestial dos justos. O Cordeiro imolado é maior do que  as forças negativas que assaltam o mundo. Reúne seu povo de todas as  línguas e nações. Os mártires são as primícias do louvor universal ao  Cordeiro. * 7,14b-15 cf. Ef 1,7; Ap 21,3; 22,3 * 14,16-17 cf. Is 49,10;  Sl 23[22],2; Is 25,8.

Evangelho: (Jo 10,27-30) O Pastor dá vida eterna às ovelhas –  Última parte do tema do Bom Pastor em Jo 10. O Bom Pastor, dando sua  vida pelas ovelhas, lhes dá vida divina, eterna, que ninguém pode  tirar-lhes. Indica também a fonte desta sua força: a unidade com o Pai.  Quem recebe sua vida, entra nesta unidade. * 10,27-28 cf. Jo 10,3-4.14;  10,10; 17,3; Rm 8,33-39; Jr 23,4 * 10,29-30 cf. Jo 3,35; Is 43,13;  51,16; Jo 1,1-2; 20,31.

Hoje seria possível fazer uma meditação sobre a oração do dia: “Que o rebanho na sua fragilidade alcance a fonte donde provém a força de seu Pastor”. De fato, na 2ª leitura (Ap),  encontramos novamente a imagem do Cordeiro que conduz o rebanho (cf.  dom. pass.), agora, porém, coma conotação de “Pastor”. Esta combinação  de ideias não causa surpresa dentro do gênero literário do Ap! Vimos,  domingo passado, que a imagem do Cordeiro implica em solidariedade com o  rebanho, solidariedade que o leva a tornar-se vítima expiatória e/ou  pascal. A mesma solidariedade aparece no texto de hoje, na visão da  multidão dos eleitos, que se tornaram solidários com o Cordeiro imolado,  por sua fidelidade na perseguição. A solidariedade com o Cordeiro, no  sangue do martírio, lava-os, torna-os imaculados como ele. E, por seu  lado, o Cordeiro, tal um pastor que apascenta suas ovelhas, as conduz à  fonte das águas, a fonte de consolação: Deus, que enxugará toda lágrima  de seus olhos.

O evangelho medita praticamente a  mesma ideia, embora Jesus aí apareça somente como Pastor e não (também)  como Cordeiro. Na primeira e na segunda parte da alegoria do Bom Pastor,  aprendemos que o Bom Pastor “dá vida em abundância” (10,10) e,  soberanamente, dá “sua vida” pelas ovelhas (Jo 10,11-18). Já sabemos que  se tratada vida divina. Hoje aparece o mistério de onde provém este  dom: a união de Cristo com o Pai. Somos conduzidos à fonte da água da  vida (cf. Ap 7,17), Deus mesmo (Jo 10,27-30). Na atual composição do 4º  evangelho, este trecho é separado dos anteriores por um novo cenário, a  festa da Dedicação do Templo (Jo 10,22; a parte anterior situava-se na  sequência da festa dos Tabernáculos, iniciada em Jo 7). Este novo  cenário indica um crescendo na impaciência dos judeus com relação ao  messianismo de Jesus: “Se tu és o Cristo, dize-nos abertamente” (10,24).  Esta provocação suscita uma afirmação mais clara da unidade de Jesus e o  Pai, a ponto de provocar uma acusação da blasfêmia e uma tentativa de  apedrejamento (10,31). Contudo, o ser Messias de Jesus consiste,  exatamente, em conduzir-nos à contemplação do Pai dele (14,9). Ele nos  dá uma vida que ninguém nos pode tirar, porque ele é um com o Pai. Se o  seguirmos, estaremos na mão de Deus. Se nos solidarizarmos com ele – e  esta é a “lição” de hoje – alcançaremos a fonte donde ele tira sua  força, sua inabalável vida divina.

Somos convidados, hoje, a  seguir o Cordeiro aonde ele for, solidários com ele na morte e na vida:  então participaremos da vida da qual ele mesmo vive, a vida de Deus.  Devemos deixar-nos guiar por um Pastor que dá sua vida por nós, pois  esta vida não é sua, mas a de Deus. Ora, em que consiste esta  “condução”? “Quem quiser ser meu discípulo, assuma sua cruz e siga-me…  Quem perder sua vida, há de realizá-la… Onde eu estiver, ali estará  também meu servo…” (Jo 12,23ss; Mc 8,34ss). Palavras paradoxais, que  significam: a fonte da vida e da força Jesus é o Deus-amor, o Deus da  doação da vida.

Quem está bem instalado na sua igrejinha não gosta  de ouvir tal mensagem. Esquiva-se, chamando-a de romantismo. Ou, se a  gente insiste, diz que é desordem e subversão… Assim aconteceu com  Paulo e Barnabé, quando foram pregar para os judeus de Antioquia da  Pisídia (na Turquia). O resultado foi muito bom para os pagãos, pois  rejeitados pelos judeus, Paulo e Barnabé se dirigiram a eles (1ª leitura).  Não falta atualidade a esta história. No momento em que a Igreja  latino-americana toma consciência da inviabilidade de uma cristandade  cúmplice de injustiça institucionalizada, os senhores dessa cristandade  rejeitam e até matam agentes de pastoral, padres, bispos… mas o povo,  que era considerado incapaz de um cristianismo “decente”, recebe com  ânimo o convite de se constituir em comunidade de Cristo.

O BOM PASTOR NOS CONDUZ A DEUS

Muitas  pessoas procuram orientação, mas a sociedade em que vivemos mais  manipula que orienta! Estamos sendo seduzidos pelos interesses do  dinheiro e do poder. Pensando que somos livres e seguimos nosso próprio  caminho, somos levados pelo sistema e pela propaganda… enquanto se  esconde em nós, envergonhado, o desejo de ser conduzido de modo  confiável e verdadeiro.

Na Bíblia, quem conduz chama-se pastor. É disso que trata o evangelho.  Jesus se apresentou como o pastor fidedigno (Jo 10,11-18); no trecho  que é lido hoje (10,27-30), ele fundamenta sua confiabilidade no amor  que o une ao Pai (“eu e o Pai somos um”). Por este amor, ele nos conduz a  Deus, e ninguém nos poderá arrebatar dele e do Pai.

Deus é  “mistério”. Não conseguimos concebê-lo com clareza. Ele é grande demais  para que o possamos descrever. É a “instância última” de nossa vida. Mas  Jesus o torna acessível, visível. Podemos orientar nossa vida para a  instância última graças a Jesus que nos conduz, se a ele nos confiamos.  Jesus está tão unido a Deus que, para nós, ele é a presença de Deus em  pessoa. Nele, estamos em Deus. Deus é a “pastagem”, a felicidade para  onde Jesus-Pastor nos conduz.

Na 2ª leitura, este  pastor é apresentado como sendo também “cordeiro”, vítima pascal, que  resgata e liberta da escravidão as ovelhas que somos nós. Esta imagem  vem completar a do pastor. Pois um pastor parece muito chefe. Jesus é  também ovelha, igual a nós, porém totalmente consagrada a Deus. Ele nos  conduz a Deus, vivendo a nossa própria situação.

Como somos  conduzidos por Jesus? Não mecanicamente! Ele nos conduz, mas não nos  força! A nós cabe o esforço. Devemos “conhecer” Jesus, gravar seu  retrato em nosso coração. Depois, com esta imagem na cabeça e no  coração, vamos olhar para a nossa vida e seus desafios. Vamos perguntar o  que Jesus faria se estivesse em nossa situação. Finalmente, apoiados  pela comunidade eclesial, vamos escolher o caminho que acreditamos sinceramente que ele escolheria. Este será o caminho de Jesus-Pastor.

Caminho  para todos. As leituras de hoje nos mostram que as palavras e o caminho  de Jesus se destinam a todos, judeus e não-judeus. Paulo rompeu o  confinamento cultural da mensagem de Jesus dentro do mundo judeu. Também  hoje, para que o rebanho possa ser integrado por quantos quiserem e  siga sem impedimento o Cordeiro-Pastor, é preciso romper barreiras e  confinamentos. Inculturar o evangelho em outras culturas que não a  tradicional cultura ocidental. Nas culturas afro-brasileira e ameríndia  do Brasil. E assim pelo mundo afora. Para constituir a grande multidão  de todas as nações, tribos povos e línguas que segue o Cordeiro, como  diz o Apocalipse (7,9).