Religião

Porque a religião pode provocar violência extrema?

Porque a religião pode provocar violência extrema?

Porque sentirão os crentes a obrigação de “defender a honra” do seu deus[1] perante os que têm fé diferente, de forma violenta? Será esse deus assim tão fraco e impotente que não consegue sequer defender-se a si mesmo, ou os fiéis interiorizaram o conceito duma divindade mesquinha e vulnerável?

Segundo os ativistas dos direitos humanos as leis contra a blasfêmia são usadas abusivamente contra as minorias no Paquistão pela maioria muçulmana

Segundo os ativistas dos direitos humanos as leis contra a blasfêmia são usadas abusivamente contra as minorias no Paquistão pela maioria muçulmana (ACN Portugal)

José Brissos-Lino*

O fenômeno religioso é complexo e presta-se a flutuações emocionais que muitas vezes extravasam para fora do campo espiritual, partindo do espaço da crença para ações de afirmação pública na sociedade e por vezes através de instrumentos e ações de violência.

Sabemos que o sectarismo leva um crente a deslegitimar crenças alheias e a partir do princípio de que todos os outros, sendo infiéis, laboram no erro sendo por isso prejudiciais à humanidade.

O mundo choca-se de vez em quando com o extremismo religioso. Desta vez foi com uma criança de oito anos em risco de ser condenada à pena de morte por blasfêmia no Paquistão, um caso que a revista Visão reportou. Os juristas afirmam que nunca tal tinha sucedido com alguém tão novo. Um clérigo paquistanês acusou o menino de urinar intencionalmente no tapete da biblioteca de uma madraça (escola religiosa muçulmana), onde estavam guardados livros religiosos. A família diz que a criança nem tem noção do que é uma blasfémia, continuando ainda “sem perceber qual foi o crime e por que foi mantido na prisão durante uma semana”.

A sua libertação sob fiança foi pretexto suficiente para uma multidão de fanáticos muçulmanos incendiar um templo hindu e destruir o seu interior, como forma de protesto, obrigando vários membros daquela minoria religiosa no Punjab a fugir, deixando para trás as suas casas, oficinas e trabalho. Toda a comunidade hindu ficou assustada e a recear reações violentas. Segundo um familiar da criança: “Não queremos voltar àquela zona. Não achamos que alguma ação concreta e significativa vá ser tomada contra os culpados ou para proteger as minorias que vivem aqui”. O ataque foi organizado e planejado pois os vândalos fecharam uma estrada próxima e publicaram vídeos do ato nas redes sociais.

Segundo os ativistas dos direitos humanos as leis contra a blasfêmia são usadas abusivamente contra as minorias no Paquistão pela maioria muçulmana.

Kapil Dev, um ativista de direitos humanos, citado pelo The Guardian, exige que “as acusações contra o menino sejam retiradas imediatamente” e pede ao governo que “dê segurança à família e a todos aqueles que foram forçados a fugir”.

Mas porque sentirão os crentes a obrigação de “defender a honra” do seu Deus perante os que têm fé diferente, de forma violenta? Será esse deus assim tão fraco e impotente que não consegue sequer defender-se a si mesmo, ou os fiéis interiorizaram o conceito duma divindade mesquinha e vulnerável? Os extremismos religiosos são uma autêntica praga, dando sempre a imagem de um deus fraco, que não consegue defender-se de quem o ataca e que precisa que os homens façam isso por ele, atacando muitas vezes fiéis da mesma religião sob pretextos pusilânimes.

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Mas isto não acontece só com o islã pois também o cristianismo tem idêntico histórico.

Nem sucede apenas no Oriente Médio ou em países sem tradição democrática, uma vez que também a Ocidente se observa ainda hoje violência verbal e física por parte de grupos cristãos contra minorias religiosas ou ideologias políticas. Veja-se o caso do assalto ao Capitólio cujo folclore incluiu bandeiras de grupos cristãos ou os ataques de cristãos a terreiros de candomblé e a agressividade de setores religiosos no Brasil bolsonarista contra adversários políticos.

O primeiro-ministro do Paquistão condenou formalmente o ataque, ordenou à polícia que agisse contra os agressores e prometeu que o governo restaurará o templo, mas ainda não terão havido detenções. A verdade é que os ataques a templos hindus no país aumentaram nos últimos anos, revelando um crescendo de fanatismo e extremismo religioso, e os relatórios internacionais apontam o Paquistão como um dos países onde a liberdade religiosa está mais condicionada pela violência das multidões e ameaças de violência relacionados com supostos atos de blasfémia.

A grande questão de pretender defender a “honra” do seu deus com recurso à violência não passa, afinal, da convicção de que o seu deus reage à provocação e ofensa de forma humana, mas também a presunção de que as crenças pessoais são indiscutíveis e intocáveis por terceiros, sendo aí que nasce todo o fanatismo e extremismo religioso em nome de qualquer divindade.

Nota: [1] Grafei o termo “deus” com inicial minúscula, pois todos os deuses que precisam de defesa humana são minúsculos, pequenos demais.

Sete Margens

*José Brissos-Lino é director do mestrado em Ciência das Religiões na Universidade Lusófona, coordenador do Instituto de Cristianismo Contemporâneo e diretor da revista teológica Ad Aeternum; texto publicado também na página digital da revista Visão.