A caminho do conclave.
Quais fatores pesam na hora de escolher o líder máximo da Igreja Católica?
Mirticeli Medeiros*
Certamente, alguém muito interessado pelo universo vaticano, já se pegou pensando: quem será o próximo papa? E é um questionamento legítimo, afinal, Francisco já completou 84 anos de vida.
Seguindo a trajetória do papado moderno, nós, historiadores da Igreja, costumamos calcular o seguinte: depois de um papado longo, vem um de transição; depois de um ‘diplomático’ ou ‘de passagem’, um mais ousado, mais aberto às mudanças, e vice-versa. Basta olharmos para o que aconteceu entre 1939 e 1978, período em que governaram a Igreja os papas Pio XII, João XXIII e Paulo VI.
No exemplo citado acima, os três tinham algo em comum: uma carreira diplomática consolidada. E isso foi levado em consideração pelos participantes do conclave. Compreensível, afinal, estamos falando da época em que ocorre a Segunda Guerra Mundial e começa a Guerra Fria.
Após o pontificado de Pio XII, que governou a Igreja por quase 20 anos, os cardeais apostaram justamente num papado de transição, elegendo um sumo-pontífice idoso (77 anos), comparado aos que o haviam precedido. Queriam alguém que, aparentemente, ‘não fizesse muita diferença’, que preparasse o terreno para um líder mais jovem.
Porém, por ironia do destino, foi esse homem de idade avançada quem encabeçou um dos momentos mais marcantes da história do catolicismo. O filho de camponeses, João XXIII, eleito em 1958, inaugurou um “caminho sem volta” para a Igreja ao convocar um concílio, de surpresa, após três meses da sua eleição: o Vaticano II.
Rapidamente, recebeu o título de ‘papa bom’ por romper de cara com a rigidez da linguagem, expressa em documentos e discursos pontifícios, e por revigorar a imagem do papado. Com seu sorriso, atitudes, simplicidade, e por ter tido a coragem de atravessar os muros do Vaticano e ir ao encontro do povo, após 100 anos de reclusão dos papados anteriores, conquistou católicos e ateus.
Hoje, para além das questões de Estado, que pesam na hora de escolher um sumo-pontífice, está a ‘visão eclesiológica’ do candidato ao papado. Deve ser alguém que esteja apto para ‘ler a sociedade do período’ e assim atender aos anseios do homem contemporâneo a partir do que ele tem a oferecer: a própria Igreja.
Porém, o ‘outsider‘ Francisco ‘bagunçou um pouco o coreto’ das nossas previsões.
Depois dele, chegar a um nome se torna cada vez mais difícil, haja vista a revolução que ele promove nessa instituição chamada papado, que é muito semelhante à que João XXIII provocou nos idos de 1960.
O sucessor do papa bom, Paulo VI, assumiu não só a tarefa de concluir o concílio outrora convocado, mas de fazer do diálogo inter e extraeclesial a mola propulsora do seu pontificado. Com uma diplomacia menos destemida que a de João XXIII, porém tecnicamente mais bem articulada, ele executou, a seu modo, um “aggiornamento” que consistia em colocar a instituição também em posição de escuta. E foi isso que o motivou a atravessar o Atlântico e a visitar cinco continentes, sendo o primeiro papa da história a aventurar-se dessa maneira.
Fazendo esse resgate histórico, não podemos descartar a possibilidade de que o sucessor de Francisco seja alguém disposto a conciliar os pólos, a transpor a ‘cortina de ferro’ entre tradicionalistas e progressistas. Depois de muito tempo, pode ser que, novamente, entremos numa era de ‘papas diplomatas’.
Há também a possibilidade de que um papa de transição, que possa dar tempo aos cardeais para pensar no substituto, também seja uma boa pedida. Isso porque o governo de Francisco reúne duas características que condicionam esse tipo de tendência: é um pontificado que promove mudanças e traz as características de um papado longo. Não por acaso, as reformas da Cúria Romana foram executadas, justamente, pelos papas que passaram mais tempo ocupando o trono de Pedro.
Em tempo recorde, o pontífice argentino fez o que muitos pontificados duradouros não conseguiram fazer em 20, 30 anos.
Mais que nos debruçarmos sobre uma lista de ‘papáveis’, é hora de analisarmos quais fatores mais pesarão antes de se chegar à fumaça branca. Provavelmente, o próximo pontifex maximus, servus servorum Dei, que será escolhido para conduzir a maior instituição religiosa do mundo, terá que lidar com um mundo transformado após a pandemia; um cenário que, até um ano atrás, sequer imaginávamos. É um recálculo de rota. E para nós, vaticanistas, um recálculo nas previsões.
*Mirticeli Medeiros é jornalista e mestre em História da Igreja pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Desde 2009, cobre o Vaticano para meios de comunicação no Brasil e na Itália e é colunista do Dom Total, onde publica às sextas-feiras
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente do Dom Total. O autor assume integral e exclusivamente responsabilidade pela sua opinião.