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7 dicas sobre o que ouvir na oração: a voz de Deus ou a minha?

7 dicas sobre o que ouvir na oração: a voz de Deus ou a minha?

Nem tudo que chega em sua cabeça vem diretamente de Deus.

Se uma ação não leva a um aumento no amor e na caridade, o movimento provavelmente não vem de Deus

Se uma ação não leva a um aumento no amor e na caridade, o movimento provavelmente não vem de Deus (Jack Sharp/Unsplash)

James Martin, SJ*
America

Não faz muito tempo, uma mulher veio até mim pedindo orientação espiritual. Como a maioria dos acompanhantes espirituais faz, comecei estabelecendo algumas diretrizes: a frequência dos encontros, o horário e a finalidade.

Então perguntei o que esperava no acompanhamento espiritual. A primeira coisa que disse foi: “Quero ajuda para entender o que está vindo de Deus e o que está vindo de mim” – ela apontou para a cabeça – “daqui”.

Como essa mulher percebeu, nem tudo que chega em sua cabeça vem diretamente de Deus. É claro que toda oração é mediada por nossa consciência, mas quando digo: “O que vem de Deus e o que vem de mim?” a maioria das pessoas sabe do que estou falando. Há uma diferença entre a voz de Deus e nossa voz.

Digamos que você esteja orando sobre a Multiplicação dos Pães e dos Peixes, a história do Evangelho em que Jesus alimenta uma imensa multidão com apenas alguns pães e poucos peixes.

Você chega à frase “pães e peixes” e a palavra “peixe” acerta você. Você se lembra de uma refeição ruim que teve na semana passada em um restaurante de frutos do mar. Você ainda não tem certeza se foi uma intoxicação alimentar, mas definitivamente veio daquele prato com salmão. Sua mente divaga e você promete para você mesmo que nunca mais voltará ao restaurante.

Depois de um tempo, você pensa: O que Deus está me dizendo aqui? Não devo seguir Jesus? Seguir Jesus de alguma forma vai me deixar doente?

Em resposta, diria que isso provavelmente é algo que surgiu em sua mente e pode não existir nenhuma mensagem profunda aqui. Provavelmente é uma distração.

Agora imagine que você está orando com a mesma passagem e algo diferente surge. Você deseja se sentar e comer com Jesus. Não simplesmente por fome física, mas pelo desejo de estar com ele. Você imagina como seria bom passar um tempo com ele, como um companheiro. Você nunca pensou sobre o que significaria fazer uma refeição com Jesus, e então você se lembra de uma comida com seu amado avô quando era mais jovem. Ele sempre foi tão gentil e ouviu você com muita atenção, como se você fosse a única pessoa no mundo, mesmo sendo apenas uma criança. Seu avô fez você se sentir especial e amado. Você o vê como uma figura de sabedoria real.

Estranhamente, você começa a pensar em Jesus da mesma forma que pensa em seu avô – alguém com quem você gostaria de estar, alguém que o ama.

Essa segunda memória soa diferente da primeira, não é? Então, o que distingue os dois? Como posso discernir o que vem de Deus e o que vem de mim? O que é uma distração e o que não é? Ou talvez uma maneira melhor de colocar isso seja: Em que devo prestar atenção?

Sendo mais claro: não há uma maneira de discernir essas coisas, e o que ofereço aqui são apenas algumas perguntas a se fazer nessas situações, que considero úteis em minha própria vida e em ajudar outros em suas orações.

Primeiro, o “espírito maligno” está envolvido?

Vamos voltar ao pensamento sobre aquele pedaço de peixe ruim. Se isso lhe causa ansiedade, perturba seu espírito ou afasta você de sua oração, pode realmente não ser simplesmente uma distração, mas o que Santo Inácio de Loiola chama de “espírito maligno”, um impulso que o afasta de Deus e impede seu progresso espiritual.

Nesse caso, o espírito maligno está tentando afastá-lo de Deus ou, mais precisamente, o espírito maligno está usando a distração para afastar você. A última coisa que o espírito maligno deseja é que você se aproxime de Deus. Até mesmo usar um pedaço de peixe servirá, para seus propósitos. Da mesma forma, você pode estar pensando em seguir Jesus e depois começar a pensar: se eu seguir Jesus, provavelmente terei que trabalhar com os pobres e então ficarei doente! Exatamente como quando comi aquele peixe. Isso claramente não vem de Deus.

Em geral, o espírito maligno tenta movê-lo para propósitos malignos ou, inicialmente, um sentimento de desespero e desesperança.

Como escreve Santo Inácio nos Exercícios Espirituais, na pessoa boa o mau espírito procura “causar angústia corrosiva, entristecer e levantar obstáculos. Desta forma, ele os perturba por falsas razões destinadas a impedir seu progresso”.

Uma maneira simples de entender é olhar se você está sentindo desespero, desesperança ou inutilidade, isso não vem de Deus, porque, como entendeu Inácio, esses sentimentos levam à “prevenção do progresso” na vida.

Também tome cuidado com a linguagem “universal” que geralmente é característica do desespero, especialmente quando associada a afirmações negativas sobre você. Sempre que você se pega dizendo coisas como “Nada vai ficar melhor”, “Todo mundo me odeia”, “Ninguém me ama”, “Estou sempre falhando” ou “Nunca serei capaz de mudar”, é um sinal comum da presença do espírito maligno. Detenha-se ao usar esses termos universais e tente não dar ouvidos a esses impulsos. Em contraste, escreve Inácio, o “bom espírito”, o espírito que leva a Deus, é aquele que age da seguinte maneira: “É característico do bom espírito despertar coragem e força, consolações, lágrimas, inspirações e tranquilidade. Ele facilita e elimina todos os obstáculos, para que a pessoa siga em frente fazendo o bem”.

O espírito maligno pode ser reconhecido quando você se desespera; o bom espírito quando você sente esperança.

Portanto, quando você está tentando discernir o que é e o que não vem de Deus, este é um bom ponto para começar.

Deixe-me dar um exemplo de minha própria vida. Por algum tempo, quando jovem, lutei contra um leve caso de hipocondria. Não foi debilitante, mas me fez focar demais nos problemas físicos e ter medo de ficar doente; no processo, isso me levou a me concentrar em meu próprio bem-estar de maneira egoísta.

Vinte anos atrás, eu tinha que fazer uma cirurgia, que trouxe uma confusão de emoções e desencadeou um pouco de hipocondria – e algum “pensamento universal”: “Esta é a pior coisa de todas”. “Estou sempre ficando doente”. “Eu nunca vou ser capaz de superar isso”.

Mas também senti uma atração na outra direção: em direção a uma maior liberdade, em direção a uma liberação do ego arrogante que sempre me fez focar em mim mesmo, em direção à esperança.

No meio disso, falei com meu diretor espiritual. Então, eu coloquei isso na forma de uma pergunta. “É uma nova experiência”, disse-lhe, “de sentir liberdade e esperança quando se trata de doença. Ainda assim, me sinto puxado de volta ao sentimento de desespero. E isso parece do espírito maligno. Mas o sentimento mais profundo, positivo e esperançoso, mesmo que seja novo, parece que pode vir de Deus. É um novo lugar para eu morar, mas estou me perguntando: é o bom espírito?”

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Ele praticamente saltou da cadeira e gritou: “Sim!”

Quando você se desesperar, não dê ouvidos; quando você sentir esperança, siga-a.

Em segundo lugar, podemos perguntar: isso faz sentido?

Se estou orando durante um momento difícil da minha vida e me lembro espontaneamente de outra época em que Deus estava comigo durante minhas lutas, talvez possa ver nessa memória o desejo de Deus de que confie. Ou talvez tenha a lembrança de um lugar que me traz muita calma e fico em paz. Essa é uma maneira que Deus tem de nos acalmar.

Por outro lado, se estou orando durante um momento difícil e me lembro de um e-mail que esqueci de responder, o pensamento pode não vir de Deus. No contexto do que estou orando, não se encaixa. Lembre-se de que você quer saber se isso faz sentido.

Faz sentido que Deus se aproxime de mim e me convide a confiar? Sim, isso parece fazer sentido, ou pelo menos está de acordo com o que está acontecendo na minha vida no momento. Faz sentido que durante um período de oração sobre algo sério, Deus me lembre de responder aos meus e-mails? Provavelmente não.

Terceiro, isso leva a um aumento de amor e de caridade?

Essa mensagem vem do Evangelho de Mateus, no qual Jesus diz: “Pelos seus frutos os conhecereis”. A voz de Deus pode ser conhecida por seus efeitos. Se seguir este impulso leva a um aumento na caridade e no amor, então é mais provável que venha de Deus.

Digamos que você esteja orando por alguém de quem não gosta. Talvez você esteja pedindo a ajuda de Deus para lidar com essa pessoa. De repente, você fica furioso com algo que ele fez a você. Oh, eu adoraria dar um soco na cara dele! você pensa.

Vinita Hampton Wright, autora de Days of Deepening Friendship, oferece uma maneira de compreender esses sentimentos. Você provavelmente perceberia que, embora tenha tido esse sentimento durante sua oração, Deus não o está pedindo para dar um soco no rosto desse sujeito. Então você passa desse desejo inicial a pensar em como poderia confrontá-lo sobre algum defeito que você não tolera.

Você pode até orar sobre o que gostaria de dizer a esse amigo – para tirar o peso das suas costas. Isso parece fazer sentido, então você pode ficar tentado a pensar que Deus está por trás disso.

“Ainda assim, após uma reflexão”, como Vinita explicou, “você percebe que o confronto pode ser bastante satisfatório para você, mas provavelmente não aumentaria seu amor por essa pessoa, nem ajudaria a motivá-la a mudar para melhor – então, não aumento no amor ou na caridade”.

Se uma ação não leva a um aumento no amor e na caridade, o movimento provavelmente não vem de Deus.

Quarto, isso se encaixa com o que sei sobre Deus?

Isso se encaixa com o Deus que você conhece das Escrituras, da tradição e da sua própria experiência? Se você é cristão, isso se encaixa com o que você sabe sobre Jesus?

Deus não vai fazer você se odiar ou acreditar que nada pode dar certo novamente, porque esse não é o Deus do Antigo ou do Novo Testamento, esse não é o Deus da tradição da Igreja, esse não é o Deus revelado em Jesus, e esse não é o Deus que você conhece. Deus dá esperança, não desespero.

Para muitas pessoas, Deus frequentemente se manifesta em um sentimento de calma. À medida que isso acontece, você pode começar a reconhecer como Deus é “percebido” na oração. Santo Inácio começou a ver que era assim que Deus trabalhava nele.

De certa forma, você conhece a voz de Deus, de modo que, quando a ouvir novamente, você possa reconhecê-la.

Quinto, é uma distração?

Às vezes, é óbvio que um pensamento perdido que vem à sua cabeça pode não ser de Deus. Se você está orando, seu estômago ronca e você pensa em comer um bom hambúrguer com todos os acompanhamentos, essa noção provavelmente não vem de Deus. Quanto mais você orar, mais será capaz de peneirar as distrações.

Pense nisso como uma conversa com um amigo. Se você estiver conversando com alguém sobre um assunto importante e de repente notar uma mancha em sua camisa, se desviar e começar a reclamar que a lavanderia estragou sua roupa, você perceberá que está distraído.

É o mesmo na oração. Normalmente, você pode dizer o que faz parte da conversa e o que não é. Da mesma forma, com a prática você pode dizer quando uma distração é um convite para outra conversa nova.

Sexto, é a realização de um desejo?

Esta é talvez a pergunta mais difícil, e não é frequentemente abordada em livros sobre oração. Como você pode saber se o que você pensa é o que você gostaria que Deus lhe dissesse?

É aqui que é especialmente importante testar as coisas. Às vezes, o que queremos ouvir é realmente o que Deus nos diz. Se você está ansioso, ore a Deus por alívio e se sentir calma, provavelmente é Deus. Não há nada de errado em conseguir o que se deseja na oração. Isso não é necessariamente a realização de um desejo; é Deus dando a você o que você precisa.

Por outro lado, você precisa ter cuidado para não simplesmente invocar a resposta que deseja na oração. O melhor antídoto para isso é a paciência, aguardando o momento em que Deus fale com clareza.

Sétimo, é importante?

Em minha experiência, Deus entra em nossa oração dessas maneiras diretas com mais frequência quando há um assunto importante em mãos. Isso não quer dizer que Deus não possa entrar em nossa consciência sempre que Deus quiser ou sobre qualquer assunto. Mas normalmente (novamente, em minha própria vida e em minha experiência como acompanhante espiritual), se essa intervenção ocorrer durante um momento de urgência, pode ser considerada um sinal da presença de Deus.

Discernir o que vem de Deus e o que pode vir de você é mais uma arte do que uma ciência. Mas é uma arte especialmente importante a dominar na vida espiritual.

Fonte: America / Dom Total

Tradução: Ramón Lara

*James Martin, S.J., é editor geral da América. Este ensaio foi extraído de seu novo livro ‘Learning to pray: a guide for everyone’ (HarperOne)