Religião

Um Deus muito humano.

Igual a nós em tudo, exceto no egoísmo, Jesus enfrentou no deserto as tentações do ter (fazer das pedras pães), do prazer (atirar-se ao vazio sem risco de se ferir) e do poder (possuir os reinos do mundo). Preferiu viver em comunidade com pescadores do lago da Galileia, habituado a longos períodos de oração, peregrinando de aldeia em aldeia

Como afirma Leonardo Boff, humano assim como ele foi, só podia ser Deus mesmo

Como afirma Leonardo Boff, humano assim como ele foi, só podia ser Deus mesmo (LUMO project)

Jesus é, para nós cristãos, Deus feito homem. Como anuncia o Evangelho de João, “o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Entrou em nossa história pela porta dos fundos: filho de um carpinteiro e de uma camponesa que apareceu grávida antes do casamento. Em Belém, as portas se fecharam para o casal. Nas proximidades da cidade, José e Maria ocuparam uma terra e ali deram à luz o filho Jesus.

Igual a nós em tudo, exceto no egoísmo, Jesus enfrentou no deserto as tentações do ter (fazer das pedras pães), do prazer (atirar-se ao vazio sem risco de se ferir) e do poder (possuir os reinos do mundo). Preferiu viver em comunidade com pescadores do lago da Galileia, habituado a longos períodos de oração, peregrinando de aldeia em aldeia.

No casamento em Caná, a falta de vinho levou-o a operar seu primeiro milagre. Pura gratuidade. A festa não podia acabar. Transformou água em vinho. Anos mais tarde, faria o último ao transformar o vinho em sangue e o pão, em corpo divinos. Instado a ensinar seus companheiros a orar, Jesus deixou claro que só quem partilha os bens essenciais à vida, o pão nosso, merece chamar Deus de “Pai nosso”.

Apreciava a boa mesa, a ponto de comparar seu Reino a um banquete e ser acusado de “comilão e beberrão”.

Não admitia que seus discípulos despedissem o povo com fome, e exigiu que um homem rico primeiro fizesse justiça aos pobres para, em seguida, tornar-se seu seguidor.

Viu um grupo de teólogos prontos a apedrejar uma mulher que fora apanhada em adultério. Começou a escrever no chão os pecados de cada um. Eles largaram as pedras e, envergonhados, se foram. Como ninguém a condenara, ele também não o fez. Instou-a a não pecar de novo.

Tratava Javé por “Abba” que, em aramaico, significa “pai querido”.

Exultou porque Deus oculta os mistérios de seus desígnios dos sábios e doutores e os revela aos pequeninos (Mateus 11,25). Na parábola do Filho Pródigo comparou Deus a um pai que abraça e beija o filho devasso antes que este se explique, pois o amor é a essência divina.

Ficou bravo com Pedro quando este disse que ele não corria o risco de ser assassinado. Malgrado as fraquezas de Pedro, que o renegou à hora da cruz, fez dele o líder de seu grupo. Jamais pisou Tiberíades, a capital da Galileia, e xingou Herodes Antipas, o governador, de “raposa”.

Defendeu Maria de Betânia quando a irmã Marta queixou-se dela, e chorou ao saber que Lázaro, irmão das duas, havia morrido.

Tanta era a saudade que decidiu ressuscitá-lo. Livre de preconceitos, atendeu ao centurião romano que lhe pediu para curar o servo e reconheceu a sabedoria da mulher cananeia que, de modo sutil, o criticou por restringir suas atividades aos judeus.

Ressuscitado, apareceu como jardineiro para Madalena; pescador para os apóstolos; peregrino para os discípulos na estrada de Emaús. E ensinou-nos que, ao longo dos séculos, sempre haveremos de encontrá-lo na face daquele que “tem fome… sede… está nu… doente… oprimido” (Mateus 25, 35).

Como afirma Leonardo Boff, humano assim como ele foi, só podia ser Deus mesmo.

Frei Betto
é escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de “A Obra do Artista – uma visão holística do Universo”, “Um homem chamado Jesus”, “Batismo de Sangue”, “A Mosca Azul”, entre outros.
Fonte: Dom Total
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