Religião

20 de novembro deveria ser todo dia

Todo dia deveria ser 20 de novembro

Para mudar as estruturas racistas que compõem a sociedade brasileira, precisamos também reconfigurar as pessoas que compõem suas estruturas sociais políticas e econômicas.

Busto de Zumbi dos Palmares em Brasília

Busto de Zumbi dos Palmares em Brasília (Elza Fiúza/ABr)

Mariana Gino*

Esse texto é bem rápido! Não vamos delongar aqui ou ali sobre um tema que deveria estar na agenda social, política, econômica, cultural e religiosa do Estado Brasileiro. E para começar, vamos afirmar: “Sim, o Brasil é um país racista.

Sim, o racismo é um problema social e é dever de toda a sociedade promover uma luta antirracismo”. E quando afirmamos “todas, todos e todes” é porque por um bom tempo foi veiculado que o racismo é um “problema dos negros”. E aí nós perguntamos, como comunidade negra, “qual problema?”. Sim, pois não foram as mulheres negras e os homens negros que construíram e consolidaram a ideia de uma superioridade baseada na cor da pele! Mas fomos N?”S, negros, que pautamos e reivindicamos um protagonismo negro na sociedade brasileira. Pois existimos e resistimos todos os dias!

20 de novembro

Mesmo com o avanço do epistemicídio, com os inúmeros assassinatos de jovens negros dentro das comunidades de favelas, mesmo com os nossos corpos dilacerados e tombados pelos sistemas racistas, N?”S RESISTIMOS E EXISTIMOS! Então, por qual motivo as nossas existências e reivindicações políticas e sociais são lembradas no mês de novembro e silenciadas nos outros 11 meses?

Para essa pergunta objetiva talvez tenhamos um monte de respostas subjetivas, calcadas e mergulhadas em um racismo histórico que forjou e alimenta a sociedade brasileira.

De certo, podemos afirmar que são históricas as lutas e reivindicações das populações negras contra todos os jugos das opressões racistas e preconceituosas que cunharam a “ideia” de raça com base das diferenças fenotípicas. E quanto afirmo que são históricas ao mesmo tempo lhes convido para um brevíssimo mergulho sobre a contextualização da gênese histórica, política, econômica, cultural e religiosa da nossa sociedade. Desde o século 16, quando aqui no Brasil aportaram mulheres negras e homens negros, vindo de África, na condição de escravos, a sociedade brasileira usou o racismo e a opressão como fio condutor de sustentação das suas estruturas e relações sociais.

Estruturas e relações que subjugaram e objetificaram os corpos negros e os condicionam à inferioridade e à marginalização social.

Tal fato ainda é perceptível, na contemporaneidade, nos espaços de trabalho, no corpo docente das instituições públicas e privadas, nos espaços culturais, religiosos e econômicos. E, como bem já mencionei em outras escrevivências, a sociedade brasileira vive sob a glorificação de um passado e de uma história coloniais e usa todos os artifícios possíveis para marginalizar, invisibilizar e estigmatizar os corpos, culturas e tradições negras. Por isso, defendemos que dentro da uma estrutura racista e opressora, como a que vivemos, todos os dias e meses do ano deveriam ser 20 novembro.

Pois talvez assim possamos vislumbrar a possibilidade da construção de estruturas antirracistas em um país que tem a segunda maior população negra do mundo e maior fora do continente africano.

Como bem pontua Grada Kilomba, em seu livro Memorias da plantação, “Só quando se reconfiguram as estruturas de poder é que as muitas identidades marginalizadas podem também, finalmente, reconfigurar a noção de conhecimento” (2020: 13), aceitando a afirmação da escritora portuguesa podemos compreender que para mudar as estruturas racistas que compõem a sociedade brasileira, precisamos também reconfigurar as pessoas que compõem as estruturas sociais políticas e econômica em nosso país. Por essa razão pautamos e reivindicamos um protagonismo negro, reivindicamos uma memória nacional que visibiliza as resistências negras.

Reivindicamos Zumbi como o nosso herói nacional.

*Professora do Curso de Direito da Universidade Candido Mendes (RJ). Teóloga pelo Instituto Teológico Arquidiocesano Santo Antônio (ITASA- Ces/JF e PUC-MINAS). Historiadora pela Universidade Federal de Juiz deFora(UFJF/MG). Especialista em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora(UFJF/MG).

Mestra em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ/RJ). Doutoranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ/RJ).

Coordenadora e Pesquisadora no Laboratório de História das Experiências Religiosas (LHER/UFRJ). Coordenadora da Coordenadoria de Experiências Religiosas Tradicionais Africanas, Afro-Brasileiras, Racismo e Intolerância Religiosa (ERARIR). Pesquisadora nos grupos de estudos Áfrikas (UFJF/MG) e Religião e Modernidade (PUC-MINAS). Integrante das Ruths – Grupo de Artes Cênicas e Políticas

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