Notícias

Reforma Previdência completa um ano

Reforma Previdência completa um ano e muitos jovens não sabem o que mudou.

Com impacto positivos nas contas públicas, mudanças são duras contra trabalhadores.

Deputados comemoram reforma que tirou direitos de trabalhadores

Deputados comemoram reforma que tirou direitos de trabalhadores (Luis Macedo/Câmara dos Deputados)

Um ano após sua aprovação, a reforma da Previdência começa a dar sinais de sua eficácia para as contas públicas do país. A economia nas despesas está maior do que o previsto inicialmente e a arrecadação com as alíquotas cobradas de servidores federais e de militares das Forças Armadas também cresce mais que o esperado. Em vigor há um ano, a reforma confirma ser ótima para o governo e cruel para os trabalhadores.

O líder da minoria na Câmara, José Guimarães (PT-CE), diz que o governo está “poupando despesa e aumentando a miséria social” com as novas regras de aposentadoria. “Você faz uma reforma para ajudar a vida das pessoas, não para piorar como foi essa reforma.”

Apesar dos sinais positivos para as contas públicas, especialistas afirmam que ainda é cedo para traçar uma nova tendência para os gastos previdenciários e que uma nova reforma segue sendo necessária na próxima década. Além disso, muitos jovens que estão iniciando a vida profissional não sabem sequer os impactos da reforma. É o caso do brasiliense João Alves e Silva conseguiu uma vaga num quiosque de venda de sorvetes no Pátio Brasil, shopping da capital federal.

Com 24 anos e um longo período de procura por emprego fixo, Silva pôde realizar o desejo de ter pela primeira vez a carteira de trabalho assinada e a previsibilidade de um salário garantido no fim do mês.

Ele é um dos milhares de brasileiros que entraram no mercado de trabalho já sob as regras definitivas pela Nova Previdência, em vigor há exato um ano.

A reforma fixou uma idade mínima para aposentadoria de 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens), regras de transição, pensões por morte com redutores e novo cálculo do benefício. Mas Silva, que tem ensino médio e fazia um curso técnico interrompido pela pandemia, pouco conhece sobre o que as mudanças representam e seus direitos.

O que ele sabe é que vai ter de trabalhar por uma prazo maior até se aposentar. “Não foi muito explicado. O que eu ouvi recentemente é que vou ter de trabalhar mais. Ainda não fiz as contas”, diz. “Vai chegar o momento que o corpo não vai aguentar mais”, completa o jovem, que dividiu com a família – mãe, irmã, cunhado, sobrinha e namorada – a felicidade do primeiro emprego.

A falta de experiência estampada na carteira de trabalho em branco sempre foi empecilho para arrumar o primeiro emprego.

“Foi difícil arrumar essa experiência. Eu sempre quis ter a carteira assinada, mas não tinha experiência comprovada. A oportunidade não existia para mim”, afirma ele, ainda surpreso com o fato de o trabalho ter chegado durante a pandemia.

Nesse momento de vida, a Previdência para ele é garantia e segurança de que terá acesso a benefícios do governo, como auxílio-doença. Os planos para o futuro ainda estão longe de envolver a aposentadoria. A perspectiva agora é conseguir a casa própria por meio do Minha Casa Minha Vida, rebatizado pelo atual governo de Casa Verde e Amarela. “Eu penso em abrir uma poupança para o futuro, quando estiver mais velho. De momento, o que quero é ter uma casa para minha mãe e para mim”, diz.

Transição

Já o economista Mauricio Oliveira, de 60 anos, batalha para conseguir se aposentar. Com 34 anos de contribuição (33 anos na época da aprovação da reforma), ele entrou nas regras de transição e precisou adiar os planos de aposentadoria. Antes, previa pedir o benefício em 2021. Agora, só lá para 2022, já que ele quer fugir do fator previdenciário – que funciona como redutor do valor a ser recebido. “Estou perto, mas vou ter de esperar”, afirma ele.

Oliveira foi demitido da entidade onde trabalhava como assessor econômico. Com isso, perdeu o vínculo formal e, consequentemente as contribuições ao INSS.

Para evitar um atraso ainda maior nos planos, vai recorrer às suas economias para seguir fazendo os recolhimentos de forma autônoma – com uma alíquota bem maior, de 20%, ante a contribuição de 7,5% a 14% paga por quem está empregado. “Ainda bem que eu tenho essas economias”, conta.

A esperança de Oliveira é conseguir pagar ao INSS pendências do passado, de um período em que trabalhou como pessoa jurídica e deixou de pagar a Previdência. “Falta um ano de contribuição. Se eu conseguir pagar as pendências do passado e recuperar o tempo perdido, consigo me aposentar antes.”

Bom para o governo

A reforma passou a valer em 13 de novembro de 2019. Logo em seguida, os técnicos enviaram ao Congresso uma previsão de redução nas despesas do INSS de R$ 3,5 bilhões em 2020. Desde então, porém, a projeção de gastos caiu mais R$ 5 bilhões, acumulando R$ 8,5 bilhões poupados.

No Regime de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS), a alíquota antes única, de 11%, foi substituída por uma cobrança progressiva que vai de 7,5% (até um salário mínimo) até 22% (sobre a parcela da remuneração que fica acima de R$ 39 mil mensais). Até setembro deste ano, ingressaram R$ 12,4 bilhões a mais que em igual período de 2019. Na projeção original, a estimativa era ampliar a arrecadação em R$ 3,2 bilhões em todo o ano.

A mesma tendência foi observada no regime dos militares das Forças Armadas, que tiveram aumento de alíquotas e cobrança estendida a pensionistas (antes isentos). As receitas subiram R$ 11,27 bilhões até setembro, ante uma previsão de R$ 5,35 bilhões em todo o ano.

Nas receitas do INSS, o efeito é incerto por causa do choque provocado pela pandemia do novo coronavírus.

Empresas puderam adiar pagamentos, e o aumento nas demissões reduz o número de contribuintes da Previdência. Tudo isso levou a uma queda na arrecadação.

O governo ainda não atualizou suas projeções para o futuro e mantém a expectativa de impacto de R$ 800,3 bilhões em uma década. Até 2030, o déficit se manterá na casa dos 3% do PIB. “Considerando vários fatores de incerteza, relacionados à pandemia e ao fluxo de análise dos benefícios pelo INSS, não iremos atualizar as projeções neste momento. É recomendável uma avaliação por prazo mais longo para se determinar exatamente quanto desse resultado decorre diretamente da aprovação das medidas”, explica o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre.

No entanto, a avaliação dentro do governo é que os números obtidos até agora podem, sim, ser indicativo de que a economia será ainda maior. Na quinta-feira (12), o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, verbalizou essa possibilidade, ao dizer que a reforma pode ter efeito de R$ 500 bilhões “nos próximos anos”.

“Não dá ainda para prever, mas é possível. É um indicativo, mas não dá para cravar. Porque esse efeito não é só da PEC (emenda constitucional), engloba também a medida antifraudes e alguma coisa da lei que regulamentou a parte judicial”, afirma o presidente do INSS, Leonardo Rolim.

COMECE CLICANDO AQUI!

Capitalização

O assunto está longe de um ponto final. Dentro e fora do governo a avaliação é que será preciso discutir uma nova reforma da Previdência na próxima década para elevar novamente as idades mínimas, unificar ainda mais as regras entre categorias e criar uma camada de capitalização – regime em que o trabalhador contribui para uma conta individual que bancará sua aposentadoria futura. É o modelo que fracassou no Chile.

“A demografia conspira contra o regime de repartição (em que os trabalhadores contribuem para pagar os benefícios de quem já está aposentado). Teremos uma população em idade ativa numericamente muito pequena para sustentar o volume total de benefícios”, afirma o economista Paulo Tafner. “O Brasil precisa uma parte (do regime previdenciário) de solidariedade, para combater a pobreza na velhice, até dois salários, três salários, não mais que isso. O resto, capitalização. Agora, já se mostrou claro que a capitalização pensada pelo ministro Paulo Guedes (sem contribuição do empregador) no Brasil é inviável.”

O presidente do INSS também defende a criação de uma camada de capitalização para quem quiser contribuir para aposentadorias de valor mais elevado. Para ele, quanto mais cedo essa mudança for aprovada, menor será o custo da transição.

Segundo Rolim, além da capitalização, uma das grandes perdas na reforma foi a decisão do Congresso de excluir o “gatilho”, que garantiria elevação automática da idade mínima à medida que a expectativa de vida aumenta. Com isso, cada mudança vai demandar nova alteração na Constituição. Porém, a reforma atual deu tempo ao governo. “Por pelo menos dez anos estamos num cenário seguro.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Pandemia

Boa parte da economia prevista com a reforma da Previdência já foi praticamente consumida pelos gastos do governo para enfrentar a pandemia do novo coronavírus no Brasil. Mas isso não significa que o esforço foi pelo ralo, segundo especialistas.

Para eles, a reforma acabou dando sustentação ao governo para gastar até agora R$ 322 bilhões com o pagamento do auxílio emergencial para a população mais pobre sobreviver aos efeitos da pandemia. Se não fosse a reforma, as incertezas futuras com a trajetória da dívida pública, que se acentuaram nos últimos meses, seriam maiores, impondo condições ainda mais adversas para o Tesouro Nacional emitir títulos e se financiar no mercado.

“Com certeza estaria pior (sem a reforma). É a questão de ver o copo meio cheio ou meio vazio.

De fato a economia de dez anos da emenda foi praticamente consumida pela pandemia, mas ela ocorreria, embora não soubéssemos, de qualquer forma”, avalia o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre. Segundo ele, o importante é que a segunda década de vigência da Nova Previdência trará efeitos ainda maiores.

O economista Pedro Nery, especialista em Previdência, considera que a capacidade de endividamento do país teria sido menor na pandemia sem a reforma. “Tem uma discussão importante acontecendo associando a reforma com a capacidade de pagamento do auxílio”, diz ele.

O diretor executivo da Instituição Fiscal Independente do Senado Felipe Salto, que teve papel importante durante a tramitação na previsão de economia com a proposta (enquanto o governo não abria seus números), diz que a emenda ainda não fez efeito para valer. Mas a expectativa é que auxiliará na manutenção do gasto previdenciário como proporção do PIB em trajetória mais controlada ao longo da próxima década. “Os desafios fiscais ainda são enormes e foram exacerbados pela pandemia”, diz.

Fonte: Agência Estado/DomTotal