Há uma enfermidade que tem contaminado o Brasil, o coronavírus.
Pensando aqui e agora, assaz preocupado, eu de fato não sei onde foi que eu peguei o coronavírus.
Teria sido no ônibus, elevador, no supermercado, na saída fugaz para a farmácia? Ou foi recebendo pizza via delivery, encostando, sem querer, no corrimão do estacionamento ou simplesmente abrindo um pacote de café?
Onde foi que eu peguei?
No abraço inadequado do ser amado, no espirro involuntário que meu filho deu, na confissão de infidelidade do meu marido, na fúria de menopausa da minha mulher, na hora em que me debrucei errado no caixa do banco ou no momento em que digitei a senha na maquininha de débito?
Onde foi que eu peguei o coronavírus?
No celular do meu vizinho, no saco de limão que ganhei de presente vindo de um sítio distante, nas ondas do rádio com tanto grilo falante, na letra daquela porca música sertaneja, no jornal amarfalhado que me colocaram debaixo da porta, na hora em que fui calibrar os pneus do meu carro?
Será, onde foi que eu peguei? Como me contagiei?
No olhar de viés do bandido, no mistério que tem no coração todo vigia noturno, nas mãos calosas do coveiro que faz jardinagem aqui em casa?
Ou terei pego através de um caderno de escola, de uma revista que vem desde o ano de 1964 ou de um panfleto eletrônico cheio de mentiras?
Pensando aqui e agora, assaz preocupado, eu de fato não sei onde foi que eu peguei. Mas estou contagiado.
O país inteiro anda se contagiando. E por isso, também tossimos, espirramos, mal respiramos.
Se você leu até aqui e acha que eu peguei o coronavírus devo dizer que peguei foi ódio disso tudo que está aí.
Estou contagiado e sei que isso faz muito mal. E rogo aos céus que venha logo a vacina, uma cura.
Porque o ódio pode sim ser a pior das doenças.
*Ricardo Soares é diretor de tv, roteirista, escritor e jornalista. Autor de 9 livros. O mais recente ‘Devo a eles um romance’ está à venda no site da editorapenalux.com.br
Fonte: Domtotal
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