Religião

A porta do paraíso de que lado se abre?

‘A porta do paraíso se abre é pelo lado dos pobres’ – padre Júlio Lancelote.

Do lado de uma elite que se acha melhor que os outros, com certeza, não é
‘A porta do paraíso se abre é pelo lado dos pobres’ – padre Júlio Lancelote

Pobres, desabrigados, refugiados, portadores de deficiências, idosos, abandonados, dependentes químicos, pessoas com
transtornos mentais, desempregados, famílias inteiras vivem nas ruas do Brasil.
Sem dinheiro, pessoas que perderam o trabalho na pandemia fizeram crescer a população de rua.

Pessoas que não tem mais para onde ir e que dependem de “almas boas” para comer.

Tudo ficou muito mais difícil para eles, até um simples cafezinho.
Humilhante. Não para elas, mas para nós.

Morador de rua é invisível!

Não consta nem nas estatísticas. Não há números oficiais.
A estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) é de 2015, seriam eles 100 mil.

Só na cidade de São Paulo 24.344 pessoas viviam nas ruas em 2019, segundo a própria prefeitura.

Os números deveriam fazer refletir, criar gestos humanitários.
Empatia. Tornar efetivas políticas públicas que amenizem o drama.
Mas ao contrário, os números escancaram “um pensamento elitista, racista, discriminatório e deletério sobre pessoas
que estão na margem da sociedade” (padre Júlio Lancelloti).

A elite brasileira acredita que o pobre é de outra espécie, não humana.

Em São Paulo, aquela que deveria estar à frente da luta por políticas públicas, Bia Doria, presidente do Fundo Social, declarou à amiga socialite Val Machiori:

“Não é correto você chegar lá na rua e dar marmita, porque a pessoa tem que se conscientizar que ela tem que sair da rua.
Por que a rua hoje é um atrativo, a pessoa gosta de ficar na rua…
A pessoa quer, ela quer receber, ela quer a comida, ela quer roupa, ela quer uma ajuda e não quer ter responsabilidade. Então isso tá muito errado, porque se a gente quer viver num país…”

É medíocre pensar que um ser humano dentro de suas faculdades mentais goste de dormir ao relento, não ter água pra beber ou se banhar, não ter o que comer… não ter…

Como alguém pode acreditar que o outro quer viver a violência da miséria? Que a rua é atraente para se morar?

A gente quer viver num país sem miséria, sem fome, sem desvio de verbas, sem corrupção, sem abuso de poder.

Um país onde os governantes assumam suas responsabilidades.
No Direito, a responsabilidade é uma obrigação jurídica concluída a partir do desrespeito de algum direito contrário ao
ordenamento jurídico, no caso do Brasil, a Constituição de 1988.

“A porta do paraíso se abre é pelo lado dos pobres”.

Assim, é direito social de todos a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados (art 6º).

Nesse caso, os governos municipal, estadual e federal faltam com suas responsabilidades e colocam em vulnerabilidade a vida
de tantos.
O pensamento da elite nos remete a uma canção dos Paralamas do Sucesso e Gilberto Gil (A novidade): ?” mundo tão
desigual.

De um lado a elite e seu carnaval, do outro os pobres e a fome total.

Governos e “elites” irresponsáveis vão deixando uma multidão de descartados.
O morador de rua não consegue nem um copo d?
água. Quando entra em algum lugar, muitos se afastam e chamam a segurança.

Jesus também dependia de “almas boas” para viver e para comer.

Jesus nasceu num estábulo porque “não havia lugar para ele”
(Lc 2, 3-7). Grávida de nove meses, sua mãe “bateu perna” junto com José pelas ruas de Belém em busca de acolhida.

Jesus se identificou de tal forma com os “descartados” que antes de nascer já era “morador de rua”.
Jesus é um “irresponsável”, não merece nem uma marmita?
Quanto custa uma marmita? Certamente, muito menos que o shampoo destas madames.

O pobre, sacramento vivo do Cristo, nos obriga a escolhas sempre mais corajosas.

“Cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizeste” (Mt 25, 40). Jesus tem cheiro de mendigo, cheira a pobre.

Quem despreza o pobre tem o fedor da podridão dos sepulcros.
Fedem. Qual seria o cheiro destas madames? Seu fedor sufoca,
dá náusea, enoja.
A fragrância dos perfumes não disfarça a podridão da alma. É gente má.

“A ganância de algumas pessoas ricas… agravando o sofrimento dos pobres” (papa Francisco).

Nestes tempos, outra pessoa revelou que fede a sepulcro caiado (Mt 23, 27).
Em meio à pandemia que já matou de 65 mil pessoas no Brasil, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, decidiu nesta semana, manter presa uma senhora de 66 anos que é diabética, hipertensa e vive com HIV.

A mesma Rosa Weber decidiu no dia 30 de junho manter preso um homem que furtou dois frascos de shampoos no valor de R$10. Rosa fede tanto quanto Bia e Val. Melhor que não sejam cristãs.

“Que julgamento mais severo te espera, ó rico. O povo sente fome e tu fechas teus depósitos; o pobre implora por comida e
trabalho e tu exibes tuas joias.
Somente a pedra de teu anel poderia ter salvado as vidas de todo um povo” (Santo Ambrósio).

“A porta do paraíso se abre é pelo lado dos pobres” (padre Júlio Lancelotti). A chave pode ser uma marmita, um cobertor, um
copo de água.

*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faje. Autor de: ‘Trabalho e capitalismo global: atualidade da
Doutrina social da Igreja’ (Paulinas, 2001); ‘Cristianismo e economia’ (Paulinas, 2016)

Fonte: Dom Total