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“É Pecado”? O Papa e a Descriminalização da Homossexualidade

“É Pecado”? O Papa e a Descriminalização da Homossexualidade

“Somos todos filhos de Deus e Deus nos ama assim como somos e com a força que lutamos cada um de nós pela própria dignidade. Ser homossexual não é um crime”, disse o Papa.

Papa Francisco

Luís Corrêa Lima*

Em entrevista recente (aqui), o papa Francisco foi questionado sobre a criminalização da homossexualidade, existente em vários países até com o apoio de bispos católicos, que cria um clima de discriminação e violência contra as comunidades gay e trans. Ele reconheceu a existência desta criminalização em mais de 50 países, observando que em cerca de 10 desdes há pena de morte. E afirmou: “Somos todos filhos de Deus e Deus nos ama assim como somos e com a força que lutamos cada um de nós pela própria dignidade. Ser homossexual não é um crime”.

Este assunto remete a uma longa história de execração das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Por muitos séculos no Ocidente isto era considerado como sodomia, um crime horrendo que supostamente provoca tanto a ira divina a ponto de causar tempestades, terremotos, pestes e pragas que destruíram cidades inteiras. Com o tempo, em vários países a prática sexual exercida sem violência ou indecência pública saiu do domínio da lei, levando à descriminalização da homossexualidade. Em 2008, quando foi proposta na ONU tal descriminalização em todo mundo, a delegação da Santa Sé defendeu o fim da toda violência e de todas as penas criminais contra pessoas homossexuais.

Agora o papa retomou a questão, exortando a Igreja Católica a contribuir para a revogação de tais leis nos Estados onde existem. Com relação aos bispos nestes lugares, Francisco reconheceu que eles fazem parte de sua cultura e tem a mente nesta cultura, mas ponderou: “o bispo tem um processo de conversão”. De fato, a homofobia é uma estrutura mental de longa duração, passada de geração em geração e disseminada em várias partes do mundo. O progresso dos Direitos Humanos contribui para o seu fim, mas este progresso não é homogêneo e se depara com resistências poderosas. Por isso é muito importante o papa se colocar de maneira assertiva e determinada.

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Houve, porém, um ruído na comunicação. Como faz habitualmente em entrevista oral, o papa imitou uma conversa entre duas pessoas, na qual alguém argumenta sobre a homossexualidade: “sim, mas é pecado”. Neste caso, ele pede que se distinga crime de pecado, e questiona: “Também é pecado a falta de caridade com o próximo. E você como está”? E reiterou: ser homossexual “não é um crime”, mas uma “condição humana”. Esta pergunta retórica virou notícia de que o próprio papa considera a homossexualidade pecado.

De acordo com a doutrina da Igreja, no entanto, como expressou a Congregação para a Doutrina da Fé em 1986, a homossexualidade em si não é pecado. É um erro dizer que o papa a considera pecado. Isto difunde uma visão ultraconservadora sobre a Igreja e fomenta a homofobia. Francisco fez um esclarecimento posterior (aqui), dizendo que falava numa linguagem de conversação, onde pode ter faltado certa precisão. E recordou a moral católica sobre pecado, onde entram também a liberdade, a intenção e circunstâncias que podem atenuar ou anular a culpa.

De qualquer maneira, a própria entrevista traz uma importante contribuição nesta questão. O papa recordou sua viagem à Irlanda, na qual disse que uma família com um filho ou uma filha homossexual não deve expulsá-lo de casa, mas criar um ambiente familiar para que viva em paz. Isto implica um discernimento consequente, em que não se deve proibir a um filho gay ou lésbica o que se permite a um hétero.

Um grande passo foi dado ao se reiterar a posição da Igreja em favor da descriminalização da homossexualidade em todo mundo. Cabe afastar os estigmas que sustentam esta criminalização, enxergando na população LGBT+ uma ameaça à humanidade. Somos todos filhos de Deus, que nos ama como somos.

*Luís Corrêa Lima é padre jesuíta, professor da PUC-Rio e autor do livro “Teologia e os LGBT+: perspectiva histórica e desafios contemporâneos” (Ed. Vozes).

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