Religião

Na ausência da ONU, eis o Papa Francisco

Na ausência da ONU, eis o Papa Francisco

O atual pontífice e seu esforço pela paz

Em fevereiro deste ano, o Papa Francisco foi pessoalmente à embaixada russa junto à Santa Sé para lançar um apelo pelo fim da guerra na Ucrânia. Foi uma atitude corajosa e inédita.

Em casos como esse, o ministro das relações exteriores do Vaticano ou o próprio secretário de Estado são aqueles que tomam esse tipo de iniciativa. Mas dada a urgência da situação, Francisco preferiu quebrar os protocolos do próprio Estado que preside.

Embora saibamos que Papa Bergoglio seja livre o suficiente para realizar esse tipo de gesto, é sempre surpreendente se deparar com o líder global que ele se tornou. De um extremo a outro do planeta, muitos mandatários o admiram.

Fontes ligadas ao Vaticano disseram, inclusive, que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tem conversas amigáveis com corpo diplomático da Santa Sé sobre várias questões. Ou seja, esse canal aberto com as grandes potências mundiais pode contribuir muito na busca por tratativas de paz. Canal esse – diga-se de passagem – que foi ampliado consideravelmente no governo de Francisco.

Além disso, mal sabíamos nós que a insistência do santo padre acabaria por chamar a atenção da comunidade internacional. Inclusive Emmanuel Macron, como explicamos na semana passada, pediu aintervenção do pontífice para pôr um fim ao flagelo no leste europeu. E não estamos falando de qualquer pessoa, mas simplesmente do mandatário do terceiro país mais poderoso da Europa.

Não foi marginal a atuação do pontífice na reaproximação entre Estados Unidos e Cuba nem no melhoramento das relações entre Santa Sé e Federação Russa, um progresso que foi constatado, inclusive, pelo próprio Kremlin. Isso só para citar alguns exemplos.

Ou seja, se Francisco tinha a intenção de seguir os passos de João XXIII, um pontífice que teve um papel fundamental em meio à ordem mundial bipolar daGuerra Fria, é bem verdade que ele tem tido um certo êxito. O pragmatismo de Francisco ajuda. E para quem acredita, seguindo categorias teológicas, que ele é o “enviado por Deus” para esse tempo, não está tão equivocado assim.

Ao longo do seu pontificado, o papa argentino tem criticado a atuação das Organização das Nações Unidas, que, segundo ele, tem se mostrado impotente diante de situações dramáticas como essa. Aliás, ele propõe uma revisão dos próprios estatutos da instituição, de modo que ela possa ser fiel às diretrizes traçadas na sua Carta Constitucional, de 1945.

Em 2015, quando visitou as Nações Unidas, em Nova Iorque, expressou claramente seu ponto de vista:

“A experiência destes setenta anos demonstra que, para além de tudo o que se conseguiu, há constante necessidade de reforma e adaptação aos tempos, avançando rumo ao objetivo final que é conceder a todos os países, sem excepção, uma participação e uma incidência reais e equitativas nas decisões. Esta necessidade duma maior equidade é especialmente verdadeira nos órgãos com capacidade executiva real, como o Conselho de Segurança, os organismos financeiros e os grupos ou mecanismos criados especificamente para enfrentar as crises econômicas. Isto ajudará a limitar qualquer espécie de abuso ou usura especialmente sobre países em vias de desenvolvimento”, enfatizou.

A herdeira da Liga das Nações (1919), a seu ver, acabou se desviando da proposta integradora. E o Papa, que compactua piamente com a cartilha do multilateralismo, não esconde sua decepção. Seguindo os passos de João XXIII, seu antecessor, que pediu à ONU protagonismo “na tutela eficaz dos direitos” dos povos na sua encíclica Pacem in Terris (1963), Francisco também lançou um apelo à organização na sua encíclica Fratelli Tutti, de 2020. Para ele, a ONU acabou se tornando uma entidade, no tabuleiro geopolítico, fica à mercê do interesse de poucos.

“É necessária uma reforma quer da Organização das Nações Unidas quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações. Isto pressupõe, sem dúvida, limites jurídicos precisos para evitar que seja uma autoridade cooptada por poucos países e, ao mesmo tempo, para impedir imposições culturais ou a redução das liberdades básicas das nações mais frágeis por causa de diferenças ideológicas

Dom Total