Religião

E agora, o que vai ser do sínodo alemão?

E agora, o que vai ser do sínodo alemão?

Como ocorreu o processo sinodal alemão e o que levou o Vaticano a declarar suas decisões ‘ilícitas’

Plenária dos bispos alemães Foto (Conferência Episcopal Alemã)

Mirticeli Medeiros*

Antes de tratarmos do assunto, precisamos, primeiramente, fazer algumas considerações.

A começar pela confusão que se fez, graças aos comentários que surgiram dentro do cercadinho dos “influencers católicos” que se consideram mais católicos que o Papa, mas mal conhecem o funcionamento da instituição à qual pertencem.

Para início de conversa, é errado dizer que o sínodo alemão foi pautado pelo Sínodo da Sinodalidade, uma assembleia universal convocada pelo Papa Francisco em 2021, cujo encerramento está marcado para 2023. Quem diz isso, certamente não acompanha o sínodo atual ou sequer buscou compreender como ele tem se estruturado.

Dito isso, vale ressaltar que um evento não tem absolutamente nada a ver com o outro. O Sínodo da Alemanha, na verdade, iniciou o seu percurso bem antes do sínodo pontifício.

Em 2019, os bispos alemães começaram a se reunir para tratar da questão dos abusos sexuais envolvendo o clero local após a divulgação de um dossiê que acusava a Conferência Episcopal Alemã de acobertar esses casos. E diante desse quadro, o grupo de prelados resolveu convocar um sínodo para falar sobre o escândalo e aproveitou a ocasião para ampliar o debate em torno de outros assuntos. Eles privilegiaram 4 macroáreas: a liderança na Igreja; a vida sacerdotal e os desafios do clericalismo, o papel da mulher na instituição e a moral sexual.

Francisco chegou enviar uma carta apostólica aos católicos alemães naquele ano incentivando a realização do evento, principalmente por causa das motivações que levaram à sua realização: recuperar a credibilidade da instituição e promover o enfretamento efetivo da pedofilia, um tema caro ao pontificado de Francisco.

Lembrando que, para o catolicismo, o sínodo é um órgão consultivo, não deliberativo, como ocorre em outras denominações cristãs. Trata-se de um departamento pastoral que incentiva uma participação mais efetiva dos bispos, enquanto membros do colégio episcopal. A Secretaria do Sínodo dos Bispos, que é um dicastério permanente da Santa Sé desde 1967, atua como uma espécie de “ouvidoria” do sumo pontífice. Sendo assim, o que é proposto pelos participantes, segundo as leis da Igreja, não tem força jurídica para mudar a doutrina ou criar normas. Tudo, como se sabe, deve passar pelo aval de Roma. E isso não mudou com Francisco.

A questão é que, no caso do sínodo alemão, as propostas polêmicas repercutiram no resto do mundo, muito embora se tratasse de uma convenção local. Alguns membros da assembleia se declararam a favor da concessão de bênçãos religiosas a casais homoafetivos estáveis, do fim do celibato e da ordenação de mulheres, por exemplo.

A Santa Sé respondeu a isso fazendo uma reforma canônica em 2021, embora não tenha citado, diretamente, a Igreja na Alemanha. A famosa reforma do livro VI, que trata da disciplina penal no Código de Direito Canônico, incorporou à Carta Magna da Igreja a excomunhão a quem presidir a ordenação de uma mulher, bem como àquele que ministrar os sacramentos a quem está impedido de recebê-los.

Mas digamos que, embora as pautas fossem heterodoxas, os sinodais estavam dentro da norma no que tange a liberdade de convocar e realizar um sínodo. O debate é aberto. Não é o Vaticano quem propõe o instrumentum laboris (a pauta do encontro), nesse caso.

Isso porque, principalmente na Europa, preserva-se a tradição dos sínodos ‘provinciais’, que acontecem anualmente ou a cada dois anos, dependendo do que foi acordado entre os membros daquela conferência episcopal específica. Já o Concílio de Trento, do século XVI, incentivava a realização dessas assembleias a nível territorial. E na história da Igreja, principalmente na Idade Média, há relatos que atestam essa prática no Ocidente, principalmente para resolver questões de ordem prática.

O Papa não impediu o processo todos esses anos, como muitos queriam que ele fizesse porque, num sínodo local, dioceses e conferências episcopais têm a liberdade de propor os temas a serem debatidos. E estamos falando de igrejas particulares que estão enraizadas na tradição sinodal, diferente do Brasil. É muito comum, em muitos países da Europa, que se realizem essas reuniões esporadicamente.

Mas a tensão com Roma aumentou quando, entre as propostas, sugeriram que as questões fossem estendidas à igreja universal, como ideia de decidir sobre o fim do celibato num eventual concílio – como já ocorreu no Vaticano II, mas a pauta foi retirada da mesa de discussões por Paulo VI – e promover mudanças no Catecismo da Igreja Católica, principalmente na parte que trata da moral sexual, atualizando o ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade.

O sínodo alemão, por enquanto, produziu somente um documento: o que trata do fim do celibato, o qual recebeu mais de 80% de aprovação dos participantes. Outros temas espinhosos ainda não foram submetidos à votação. A ideia é de que isso aconteça entre outubro deste ano e início de 2023.

Após a sentença do Vaticano, os sinodais alemães manifestaram indignação, dizendo que não tiveram a oportunidade de estabelecer uma comunicação direta com Roma, reforçando que não pretendem impor nada juridicamente. “É simplesmente o nosso dever – diz o comunicado oficial – dizer claramente quais mudanças consideramos necessárias. E acreditamos que as situações e os problemas por nós identificados sejam semelhantes em todo o mundo”.

Por outro lado, foi o próprio Papa Francisco a sinalizar que tem medo que ocorra um cisma, a depender dos rumos que o sínodo for tomar.

“Temos uma ótima igreja protestante na Alemanha. Não precisamos de outra”, disse ele, em tom bem-humorado, ao ser questionado sobre a questão.

Dom Total