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Inconstitucionalidade do licenciamento automático

Inconstitucionalidade do licenciamento automático

Lei define licenciamento como o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais

O licenciamento ambiental é um dos institutos mais relevantes no Direito Ambiental. A disciplina normativa do licenciamento está situada principalmente na Lei Complementar n. 140/11, na Lei n. 6.938/81 e na Resolução Conama n. 237/97. O licenciamento se destina à avaliação de viabilidade ambiental do empreendimento da forma como é previsto e no local que pretende instaurar-se. Se viável, procede-se à análise das compatibilizações necessárias, assim como dos impactos que provocará para fins de compensação. O licenciamento ambiental é antes de tudo um processo administrativo interdisciplinar, no qual se avaliam caracteres jurídicos, biológicos, socioambientais, culturais, dentre outros.

A Lei Complementar n. 140 define o licenciamento como o procedimento administrativo destinado a licenciar atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental. A questão que domina os debates ambientais é justamente em que medida devem empreendimentos serem submetidos a licenciamento ambiental. Evidentemente, não se pode tratar com identidade de efeitos ambientais o empreendimento que consiste em uma loja de roupas em avenida urbana e uma indústria química. O ponto é justamente determinar níveis de exigência ou dispensa do licenciamento, assim como tipos de licenciamento ambiental.

A análise normativa e de constitucionalidade das normas de licenciamento não pode, portanto, deixar de analisar os tipos e determinações de empreendimentos como sujeitos ou não a licenciamento, assim como sujeitos ou não a um tipo de licenciamento. A previsão normativa de tipos de licenciamento simplificados de forma alguma antagoniza-se para com a Constituição, pelo inverso, para com ela se afina em regularidade, desde que haja uma razão subsistente para a fixação da atividade em relação aos níveis de exigência ambiental.

O ponto chave é justamente a violação constitucional quando a norma prive a análise ambiental de licença ou autorização quanto à atividade que provoca impacto ambiental em nível que demande afirmativamente a avaliação dos órgãos públicos ambientais. É nesse sentido que se situa o julgamento do Supremo Tribunal Federal na ADI 6808/DF. O STF proclamou que a concessão automática de licença ambiental para empresas com grau de risco médio ambiental é inconstitucional:

Concessão automática de licença ambiental para empresas com grau de risco médio – ADI 6808/DF

Resumo:

É inconstitucional a concessão automática de licença ambiental no sistema responsável pela integração (Redesim) para o funcionamento de empresas que exerçam atividades de risco médio nos termos da classificação estabelecida em ato do Poder Público.

O licenciamento ambiental dispõe de base constitucional (1) e não pode ser suprimido, ainda que de forma indireta, por lei. Também não pode ser simplificado a ponto de ser esvaziado, salvo se a norma que o excepcionar apresentar outro instrumento apto a assegurar a proteção ao meio ambiente com igual ou maior qualidade.

Nesse contexto, a simplificação do procedimento pelo argumento da desburocratização e desenvolvimento econômico, com controle apenas posterior, configura retrocesso inconstitucional, pois afasta os princípios da prevenção e da precaução ambiental. A automaticidade, por sua vez, contraria norma específica sobre o licenciamento ambiental, segundo a qual as atividades econômicas potencial ou efetivamente causadoras de impacto ambiental estão sujeitas ao controle estatal (2).

Não possui fundamento constitucional válido a vedação da coleta adicional, pelos órgãos competentes, de dados que não tenham sido disponibilizados na Redesim previamente ou no ato do protocolo do pedido de licenciamento.

A proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para as presentes e futuras gerações, não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ser dependente de motivações exclusivamente econômicas, na medida em que o desenvolvimento econômico deve ocorrer de forma sustentável.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para dar interpretação conforme ao art. 6º-A e ao inciso III do art. 11-A, ambos da Lei 14.195/2021 (3), não aplicando-os às licenças em matéria ambiental.

(ADI 6808/DF, relatora Min. Cármen Lúcia, julgamento em 28.4.2022)

De forma alguma o STF vedou o licenciamento simplificado. Conforme expressado, o Supremo consignou que a simplificação não pode chegar ao ponto de esvaziar o licenciamento, transformá-lo em chancela acrítica dos impactos ambientais. Não se pode eliminar o licenciamento ambiental de forma indireta, simplesmente concedendo licenças quando a atividade tiver risco médio, sem maior análise técnico-jurídica.

O julgamento do STF não veda um licenciamento ambiental célere, pragmático ou proporcional ao nível de impacto da atividade, mas sim se conforma com essas premissas, a fim de que não se transforme o licenciamento em uma chancela acrítica. A exigência constitucional é que seja o licenciamento proporcional e compatível para com os níveis de impacto de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

Mestre e Doutorando em Direito Constitucional e Teoria do Estado pela PUC-Rio. Pós-graduado em Processo Constitucional. Procurador Federal – Advocacia-Geral da União. Procurador-Chefe da Procuradoria junto ao IBAMA-MG. Professor da Escola Superior Dom Helder Câmara.